segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Do “alimente-se” ao “alimentar-se”



Já me peguei algumas vezes pensando na dificuldade de vestir a camisa da Nutrição, ou como diria um professor que tive, ‘comprar a ideia da Nutrição’. É, porque a tarefa é sim bastante difícil! Por quantas e quantas vezes a gente se encontra no papel de ouvinte da seguinte frase “Mas e você, você come tudo isso mesmo?” ou “Nossa, mas você segue isso direitinho?” e confesso que na maioria das vezes em que me encontro nessa situação minha resposta (mesmo que não expressada) vem a ser um “Não, não faço!”.  

Desde então, comecei a me questionar e percebi que entre dizer “Alimente-se bem! Alimente-se assim (...)” e o ato de “alimentar-se bem, alimentar-se assim (...)” existe uma estrada quilométrica. Estrada essa onde algumas placas devem ser muito bem observadas e algumas curvas respeitadas, para que, além de se chegar ao destino proposto, as barreiras ultrapassadas se tornem menos penosas. E pensando nisso eu cheguei a três acentuadas curvas dessa estrada que devemos considerar quando falamos de mudar hábitos: CONHECIMENTO, INFORMAÇÃO e RESPEITO.

Conhecer é preciso! Ter o conhecimento necessário para disseminar a arte da Nutrição faz parte dessa estrada o tempo todo. E não só conhecer sobre o ato e os efeitos de nutrir. Falo de um conhecimento multidisciplinar, envolvendo aspectos físicos, psicológicos, econômicos, históricos, culturais e sociais. Conhecimento que permita observar, discutir e transmitir todas as facetas da Nutrição. E esse conhecimento deve ser repassado (ou melhor, multiplicado!) de forma clara e eficaz por todos os meios possíveis, de uma simples conversa em um almoço em família a um grande Congresso Internacional.

Com isso a gente chega à próxima curva, a da informação! Uma informação que deve ser simples, completa e dinâmica. Várias vezes nós (nutricionistas em construção) recebemos informações contraditórias e/ou errôneas, que nos confundem e nos fazem questionar diversos assuntos. E que bom! Que bom que podemos questionar, esclarecer as dúvidas, debater e formar opinião. Mas se pensarmos em milhares de pessoas que recebem várias informações sobre o “comer bem” de forma incompleta, vazia ou superficial, veremos a importância de “formar para informar”.

Ok! Passamos pela curva do conhecimento, da informação e paramos na mais acentuada entre elas, a do respeito. A arte de nutrir caminha lado a lado com a sabedoria de saber respeitar! Para fazer essa ponte entre o “alimente-se!” e o “alimentar-se” o respeito ao outro é um forte pilar de sustentação. Respeitar a busca do próximo, que vê em nós, Profissionais da Nutrição, muitas vezes, uma solução para seus conflitos e um espelho de seus objetivos. Respeitar o próximo como um ser sábio e cheio de conhecimentos que curso ou Universidade nenhuma irão nos transmitir. Respeitar os hábitos do outro, observando sua cultura, suas preferências, suas aversões, sua história, sua rotina. É respeitando que se ganha respeito e a Nutrição é uma linda via de mão dupla onde o sucesso do outro é nosso sucesso!

Pensando assim e observando esses, e outros aspectos, percebi que quando se espera construir uma rotina alimentar saudável, criar novos hábitos, e “comprar a ideia da nutrição” é preciso se esforçar para transitar nessa estrada cheia de obstáculos. Entre dizer ao outro, e a nós mesmos, “alimente-se bem!” e o ato de “alimentar-se bem”, temos um árduo, e satisfatório, trabalho que deve fazer de nós profissionais mais humanos que técnicos; mais sensíveis que práticos; mais amigos que “doutores”.

Tamara Pereira.
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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

"Superinteressante" ou, nem tanto!



Pensando no que ia escrever, depois de um final de período um tanto turbulento, voltei pra casa dos meus pais. Minha mãe é dona de uma banca de jornal e revistas e sempre que volto ela me mostra praticamente todas as revistas que saíram alguma reportagem sobre saúde, a dieta da moda, receitas ou politicas relacionadas.

Dessa vez cheguei e me deparei com uma Superinteressante que na capa vinha escrito “A Ciência da Dieta” e o subtítulo ainda completava, “Chocolate pode emagrecer. Adoçante pode engordar. Batata frita vicia tanto quanto drogas. Conheça as novas descobertas que estão revolucionando o mundo das dietas.” Frente a tantas afirmações lá fui eu ler a revista pra ver do que se tratava.

O que eu encontrei?! Essas informações que comumente encontramos em revistas de saúde, alguns exemplos: alimentos como pimenta, canela e gengibre são termogênicos e “aceleram” a “queima” de gordura, que chocolate pode ser um aliado da saúde, que o cérebro funciona de forma que comer te causa prazer e pessoas que apresentam resistência à ação de determinados hormônios provavelmente leva a pessoa a comer mais e por ai vai.

A notícia me incomodou, e muito, devido a forma como eles apresentaram as ditas “vantagens e desvantagens” de cada alimento ou combinação, ou seja, de maneira extremamente apelativa. Fiquei pensando no que essas revistas são capazes de fazer pra vender mais exemplares. Milhões de maneiras de emagrecer com prazos cada vez mais curtos, alimentos milagrosos, promessas sem fundamento algum, ignorando total e completamente a saúde. São corpos tão perfeitos, mais tão perfeitos, que não são reais! É bem difícil, pra não dizer impossível, encontrar uma capa que não tem um trabalho de alguém que sabe muito sobre photoshop.

O pior?! Já perdi as contas de quantas vezes vi pessoas passando pela banca, vendo/comprando essas revistas com uma autoestima baixíssima, se lamentando por não conseguir seguir determinada dieta/regra/rotina que a noticia impõe ou por não ter o padrão de beleza que é estampada em todas essas capas.

Nunca esqueci uma coisa que ouvi uma vez de um professor que destacava o quanto somos escravos da nossa própria geração, ele dizia que essa geração vive a “Ditadura do Ótimo”, um ótimo corpo, uma ótima alimentação, uma faculdade ótima, um emprego ótimo, tudo da melhor qualidade. Menos, que ótimo não vale! Se você não se enquadrar nisso tudo você está perdido. Será?! Vez ou outra me pego pensando nisso!

Gabi Carvalho
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terça-feira, 6 de novembro de 2012

O que tem a ver a fome, Eduardo Galeano e os Guarani- Kaiowás?


FOME,

·         Na Gramática: Substantivo feminino com quatro letras, sendo duas vogais e duas consoantes;
·         Na Matemática: Arranjo de quatro elementos, que possibilitam 24 anagramas.
·         Na Fisiologia: Inata, não seletiva, necessidade de fonte de energia para o crescimento, desenvolvimento e manutenção da vida.


Hoje é minha estreia no blog, e como toda(o) iniciante, fiquei pensando em milhares de temas que poderia abordar na minha primeira contribuição.  Então, pensei em compartilhar uma das minhas mais recentes e queridas ocupações, o Livro dos Abraços, de Eduardo Galeano.

Escolhi carinhosamente o texto:

 “A fome/2: Um sistema de desvinculo: Boi sozinho se lambe melhor... O próximo, o outro, não é seu irmão, nem seu amante. O outro é um competidor, um inimigo, um obstáculo a ser vencido ou uma coisa a ser usada. O sistema, que não dá de comer, tampouco dá de amar: condena muitos à fome de pão e muitos mais à fome de abraços”.

Atualmente coloca-se em voga a questão do genocídio indígena no Brasil, destacado principalmente pela representação dos Guarani-Kaiowás, tribo situada no município de Iguatemi, Mato Grosso do Sul.  Há muito tempo os índios sofrem com sucessivas investidas que partem dos (des)mandos de grandes empresários ruralistas. Essa situação crônica de afronta aos direitos humanos é advinda da falta da demarcação de terras e do crescimento desenfreado e inescrupuloso do agronegócio nas terras do Pantanal (como em diversas terras espalhadas pelo solo verde e amarelo). Tudo começou em 1770, quando se desencadeou um processo genocida com uma verdadeira política de remoção dos Guarani-Kaiowá de seu território de origem. Muito por  parte dos (agro)empresários na incessantemente busca da expansão de seus territórios (lucros) bem respaldados por um governo conivente.   Após sucessivos ataques, o que pode-se perceber foi uma redução considerável das terras para que os índios habitavam, o que para os Guarani-Kaiowá representou uma redução da própria possibilidade de existência, culminando num alto índice de suicídios (principalmente entre os jovens).

A cerca de um mês, a visibilidade da questão indígena tomou grandes proporções, principalmente na mídia alternativa (redes sociais), após a declaração da carta dos Guarani-Kaiowás ao povo brasileiro, onde expuseram que se fossem retirados de suas terras como uma liminar da justiça federal colocava, todos prefeririam cometer um suicídio coletivo, para que em suas terras ficassem marcadas por sangue, o fim de suas vidas. A demarcação das terras indígenas é uma solicitação pautada há tempos, uma vez que diferentemente do simbolismo que as terras tem para os ruralistas (pedaços/espaços de mercadorias), os índios enxergam nas mesmas suas (sobre) vidas propriamente ditas, agredindo assim, seu teko arandu – modo sábio de viver.

E o que tem haver a fome com isso? TUDO. Seguindo a lógica do texto de Galeano, vivemos uma realidade dotada de muitas contradições, paradoxos e fomes. A questão indígena representa sim um cenário relacionado ao sentido majoritário que conhecemos da fome, até por que segundo relatórios da Suvival International em parceria com a ONU em 2006, a fome, problemas de saúde e de depressão estão se espalhando entre os índios, os caracterizando-os como comunidades com forte prevalência de insegurança alimentar no país, mesmo que paradoxalmente dividam cena com a (falsa) ideia de que o agronegócio seria a solução para combater a mesma (vide Revolução Verde). Porém, a fome que coloco em questão é a fome que Galeano brilhantemente detecta quando finda seu texto, a fome de amor ao próximo!

Pensar na segurança alimentar dos índios (que inclui o direito à vida, às terras, o acesso ao alimento, condições de habitação,...) é simplesmente um desdobramento, quando se pensa na busca da erradicação da fome de altruísmo que temos instalada em nossa sociedade. Muitas(os) poderiam se perguntar, então, como sanar essa fome. E eu mesma responderia que não sei, e nem acredito que devemos nos prender a isso. O central de voltarmos nossos olhares a esse tipo de fome é simplesmente o primeiro passo: problematizar a questão. Rotineiramente, assim como as opressões, a coisificação das relações humanas e o desejo incessante de se sobrepor a(o) outra(o) vem se naturalizando e se cristalizando. E é onde a disposição, o desejo de mudar, e principalmente, a crença na mudança surgem como fatores essenciais para o inicio do processo propriamente dito.

Dessa forma, gostaria de deixar essa reflexão à todas(os), agregada de uma convite, para que não nos bastemos com a solidariedade, mas nos levantemos contra essa e outras diversas fomes, buscando uma superação a partir de saídas individuais (buscando o altruísmo em nossas ações) e coletivas, a partir do pensamento e ações em conjunto.

"Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos." (Eduardo Galeano)

Sophia Rosa
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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

“Faça do teu alimento, o teu remédio.”


Há algumas semanas atrás tive que fazer uma pesquisa sobre Quefir pra uma disciplina da faculdade. O quefir é um grão originário do Cáucaso, uma região que fica entre a Ásia e a Europa. É um alimento cada vez mais estudado/consumido, por ser um probiótico. Alimento probiótico é aquele  alimento que tem na sua composição microrganismos que promovem benéficos a saúde.

No desenrolar dessa pesquisa li um texto que começava com a seguinte citação, “Faça do teu alimento, o teu remédio.” Já tinha ouvido essa frase, mas nunca havia dado a devida atenção. Segundo fontes não muito seguras, essa frase foi dita a mais de 2 mil anos atrás e é de autoria de Hipócrates, um filosofo grego tido como  “O pai da medicina”. Pra mim, essa relação de alimento e remédio é na verdade um pouco nebulosa, uma vez que nunca associei remédio como algo bom e prazeroso. Muitíssimo diferente da forma como eu enxergo os alimentos e o processo de alimentação. Me parece algo muito coerente, pois, já está mais que comprovado o poder dos alimentos na manutenção e recuperação de um bom estado de saúde/vida.

Mas fiquei pensando, não na frase de Hipócrates, mas no fato de que, nós nos alimentamos varias vezes ao dia, todo dia. E nos alimentamos, olha só, de alimentos! Mas será que quando essa frase foi dita, o cara que a “assinou” estava falando do mesmo alimento que nós comemos hoje, todos os dias?

Ai que tá, bioquimicamente, talvez sim. Mas como nossas relações não são equacionados bioquimicamente, o que nós comemos não é exatamente o mesmo alimento que Hipócrates se referia a 2 mil anos. Faça um simples exercício mental, tente se lembrar dos alimentos que você tem no seu armário e na sua geladeira. Se não se lembra vá até eles e dê uma breve olhada. Percebeu o tanto de plástico envolta dos alimentos?! Esse plástico é uma tecnologia desenvolvida, 1) para conservar por mais tempo os alimentos e 2) para criar uma segunda imagem do alimento, que dependendo da perspectiva pode ser visto como um “produto”.

Em algum momento da história nos “des”envolvemos de tal forma que foi preciso criar tecnologias para conservar os alimentos por mais, e cada vez mais, tempo. Mais especificamente quando começamos a nos organizar como “sociedade industrial”, lá por volta de 1750 (d.c).

A embalagem é uma dessas tecnologias que nos ajudam, mas que também nos afetam, sobretudo na questão ambiental, quando não damos o destino correto às mesmas. Porém existem outros elementos, além das embalagens, e esses intrinsecamente ligados aos alimentos, que são os conservantes químicos, os acidulantes, os aromatizantes, os corantes e etc. Na sua maioria, aditivos artificiais, ou seja, que não se encontram naturalmente na composição química dos alimentos, e estão sendo adicionados com o propósito de conserva-los e atribuir sabores que remetem aos alimentos no seu estado natural.

Muita gente já torce o nariz para os alimentos industrializados, embutidos, com excesso de açúcar, sal, porque sabe que de alguma forma eles trazem algum prejuízo pra saúde. Existem pesquisas sendo divulgadas, exaustivamente, que relacionam o consumo excessivo desses alimentos às recentes epidemias de obesidade, diabetes, hipertensão arterial e uma diversidade de câncer (de boca, estômago, esôfago e intestino). E quando se pergunta para as pessoas o porquê, mesmo sendo elas conscientes dos prejuízos, elas continuam a consumir esses alimentos, uma resposta é quase unânime: “Por falta de tempo!”, “Por conta da correria do dia-a-dia”. E aqui, nessas respostas é quero chamar a atenção pra uma questão muito simples, e que nessa tal “correria do dia-a-dia” acaba nos tirando o foco.

Em que momento da vida moderna, nós, seres (teoricamente) pensantes, deixamos que a nossa alimentação diária fosse substituída pelos lixos, VAZIOS, em termos de vitaminas, minerais, gorduras “boas” e proteínas de alto valor biológico, o qual damos o nome de Alimentos Industrializados? Sobretudo nós brasileiros que temos a disposição uma imensa biodiversidade e um clima perfeito à produção de uma infinidade de alimentos altamente nutritivos, e com potencial enorme de promover a saúde da população?

Falo aqui, especificamente da questão alimentar, mas a crítica é ampla e nasce basicamente de uma rápida análise dessa lógica produtivista a qual temos nos organizado. Já parou pra pensar no tamanho da falta de respeito que cometemos na forma como lidamos com nossos corpos todos os dias?

Não me parece lógico, que as nossas atividades básicas, como o estudo e o trabalho, tomem tanto o nosso tempo, de modo que não possamos tirar algumas horinhas pra preparar e apreciar, de fato, o que levamos para o nosso prato. É certo que a questão é um pouco mais ampla, perpassa também a discussão de políticas públicas voltadas à Soberania Alimentar e a Produção de Alimentos. Mas algumas atitudes são nossas. Submeter-se a trabalhos, empreitadas, metas e projetos que sugam nosso tempo, de modo que outras esferas da vida sejam relevadas totalmente a segundo plano, não teremos outro resultado senão esse a que temos assistido: pessoas deprimidas, epidemias de doenças comportamentais, câncer e mais uma série de prejuízos para a nossa saúde. E nesse caso, temo em dizer, que no longo prazo, a simples formulazinha do nosso amigo Hipócrates, não vai servir de nada.

Alison Douglas
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